quarta-feira, 13 de abril de 2011

LEGADO


Não temo a morte
      causa
      consequência
de uma parca estória
Não temo a morte

Temo o intenso
Não o ir
mas o que deixar
que maior solitário
é aquele
sem herdeiros
(legais)
para quem deixar
seus objetos
seus sonhos
dejetos de vida
Temo a solidão

Hoje
não sei o que legar
nem a quem
no entanto
cuspo meu testamento

O corpo
entrego à literatura
para ser dissecado
sugado
esgotado
até não passar
de anacoluots
metáforas
prosopopéias
elipses
elipses

Os olhos
ao fogo
Estou farta
de ver este mundo
com horizontes verticais

As mãos
à terra
adubando sementes
e criando flores
e criando frutos

A angústia
deixo em caixa dourada
de museu
para apodrecer
entre pérolas

Os medos
dôo-os aos fortes
                  grandes
                  poderosos

A garra
aos amantes

A gana
aos falsos

O novo sorriso
aos velhos naftalina

O sorriso
(antigo)
pra quem quiser
arrsicar

A vontade de ter
aos homens de fato

A vontade de ser
aos homens de direito

Um pensamento terno
aos amigos

Uma pergunta às crianças

Uma cantiga de amigo
pra um
meu mais querido

Uma cantiga de amor
e um beijo
pra ele
meu único

Um aperto de mão
em quem gostou
de mim

Um abraço pros outros

E se ainda houver tempo
para meus inexistentes
dois nomes
Renata e Pedro

Nada mais

(Poema publicado em DESCOMPASSO, 1976)

Nenhum comentário:

Postar um comentário