quarta-feira, 13 de abril de 2011

RETRATO FALADO

Nada mais sou que madeira
         turva
         tosca
         torta
         tensa
Um pedaço de madeira animal
Molhada de sangue bruto
Coberta de casca grossa
Presa por raízes curtas

Nada mais sou que madeira
         crua
Marcada de cicatrizes
de canivetes
machados
Vestida de corações
setas
pequenos recados
Vestida de coisas comuns

Nada mais sou que madeira
          velha
E em meus braços longos
horizontais
vão se pondo
recordações
recortes de jornais

De minha raíz
         pouca
Sou testemunha ocular
da morte inesperada
do sofrimento
da gana
da vontade estúpida
de gritar
Sou cúmplice
da dor
e do tédio
Não havendo remédio
para conter o chorar

Me curvo
         vencida
Me deixo ficar
À distância
Bem longe de tudo
Até que todas as folhas caiam
E não reste mais nada a esperar

(Poema publicado em DESCOMPASSO, 1975)

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