domingo, 6 de fevereiro de 2011

E DEUS CRIOU O HOMEM E A MULHER



















Um dia
não faz muito tempo
quando tudo a volta era solidão
Deus
(como quem não quer nada)
redigiu o homem
e
a mulher
num pedaço de folha
pautada

O homem foi descrito
em decassílabos sáficos e heróicos
e a mulher em versos brancos

E entre metáforas e antíteses
começaram a surgir
(como se saíssem do barro!)
duas figuras iguais e distintas
que sem compromisso se amavam

Eram dois poemas
sozinhos
perdidos e desconcertados
entre as estantes vazias
de uma biblioteca
antiquada

E por não serem folheados
por ninguém
folhearam um ao outro
e por não serem consumidos
por ninguém
consumiram um ao outro

Se interpretaram
por muito tempo
(meio tímidos)
(meio tontos)
decoraram trechos
leram em voz alta
parágrafos inteiros

Foram se resumindo
se interligando
de tal forma
que deixaram de ser dois
e viraram um só
soneto

(1975 - Aos 17 anos, o amor pode ser azul!)


(Poema publicado em DESCOMPASSO, ed. Cátedra,1979)

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